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Emigrei!

Emigrei! Não, não fui raptada nem transportada sob o efeito de sedativos.
Era eu que dizia que só emigrava se estivesse a morrer à fome ou se o nível do mar subisse de tal forma que Portugal inundasse.  Pois é, cá estou eu, sem nunca ter sofrido de subnutrição e Portugal continua no mesmo sítio. 
Se mudar de país fosse começar do zero, seria muito fácil. Quem emigra trás as saudades dos seus, os hábitos, as rotinas, os sabores e os cheiros (ok, nesta secção do olfacto eu não me incluo)... Por isso emigrar é continuar a escrever a história num novo capítulo. 
Eu que gosto de ter tudo controlado e com o objectivo de evitar sofrimentos desnecessários, fiz uma espécie de lista dos obstáculos que poderia vir a encontrar. Mentalizei-me que iria ter imensas saudades das pessoas, que o tempo seria horrível de frio e chuva, que apesar de saber inglês teria de vencer a barreira da língua, não haveria pais e sogros para deixar os miúdos, que as saídas românticas seriam tão esporádicas que mal me ia lembrar de quando tinha sido a última... Talvez por pintar o cenário tão negro, estas e outras coisas foram toleráveis. O verdadeiro choque veio de onde menos esperava: dos pequenos pormenores dos meus capítulos anteriores, que por serem tão banais ou intrínsecos, não foram lembrados. 
Pela primeira vez estava num sítio onde não conhecia nada. Quando tive consciência disso foi assustador. Eu que sempre vivi na mesma zona, de repente dei por mim a encarar o desconhecido. Era quase ridículo aos 32 anos, sair de casa com a preocupação de decorar o caminho sob pena do regresso ser excessivamente demorado (tal Hensel e Gretel, muitas vezes resisti à tentação de marcar os meus trajectos). Para passar pela dúvida do regresso tinha de saber onde era o destino. Eis outra novidade: não saber onde é NADA! Dei por mim a fazer um mapa mental e a assinalar o básico. Depois de localizados  o metro, a escola, o supermercado, o meu mapa naturalmente ficou mais preenchido. Hoje até sei onde encontrar estabelecimentos que não preciso. Por estas bandas há lavandarias que nunca mais acabam e imobiliárias nem se fala! Parece que tenho mais facilidade em perder-me nas palavras do que na rua. Voltando ao tema antes deste pequeno desvio. Após a ambientação inicial, achei que já tinha tudo controlado. Ingénua! Voltei a cair no mesmo erro e a negligenciar alguns factores. Então onde está o café para ir todas as manhãs dar um dedinho de conversa? Onde está a Sofia da mercearia que me dá o bom dia? E a  hora da manicure, que para além de embelezar as mãos, alivia o espírito com umas boas gargalhadas? E as  aulas de zumba para exorcizar calorias e preocupações? Não estão! São óptimas recordações mas está na altura de aprenderes a viver sem elas. Maria aprende a ser feliz! 
Assim descobri o grande desafio da emigração: encontrar a felicidade escondida no desconhecido. 
Desafio superado! Hoje sou muito mais feliz! 
Atrás do desafio veio a descoberta, a minha e do que me rodeia. E o que é a felicidade senão mais do que sabermos quem somos, para onde vamos e sermos gratos por quem nos acompanha? 


Comentários

  1. Adoro amiga! Agora és muito mais feliz porque o que é realmente verdadeiro e importante são os afetos e as conquistas da alma. Tudo o resto é imperecível e transitório!
    Continua a escrever!

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